PERDÃO PROXY

 Perdão Proxy: O Pedido de Perdão Substitutivo e Seus Impactos Emocionais e Relacionais


Por Ana Paula Carvalho

Estrategista Emocional | Pastora | Pesquisadora em Psicanálise Clínica


 Introdução


O perdão é um dos atos mais poderosos que existem — tanto no campo humano quanto espiritual. Ele representa arrependimento, reparação e recomeço.


Contudo, em anos de estudo e prática clínica, percebi que nem todo pedido de perdão é legítimo. Alguns se transformam em movimentos sutis de autopreservação que desviam a verdade.


Depois de duas décadas atendendo pessoas em contextos terapêuticos, gabinetes pastorais, mentorias e vivendo meus próprios desafios de relacionamentos e conflitos, compreendi que a análise do discurso precisava ser mais apurada. Foi nesse mergulho profundo que identifiquei e conceituei o que chamo de Perdão Proxy: o pedido de perdão substitutivo.


O que é o Perdão Proxy?


O Perdão Proxy acontece quando alguém reconhece superficialmente uma falha, mas transfere o pedido de perdão para um outro motivo — geralmente mais aceitável ou emocionalmente mais seguro.


Na prática, essa dinâmica confunde e fere quem precisa perdoar, pois a verdade essencial não é dita.


 Raízes Psicológicas


O fenômeno conecta-se a diversos mecanismos de defesa, segundo a Psicanálise:


🔹 Deslocamento (Verschiebung)

A pessoa transfere sentimentos e responsabilidades de uma situação ameaçadora para outra mais tolerável.


🔹 Racionalização

Ela cria justificativas mais palatáveis para si mesma e para os outros.


🔹 Negação Parcial

Aceita fragmentos da realidade, mas rejeita o núcleo da transgressão.


Anna Freud (1936) descreveu esses mecanismos como estratégias inconscientes de autopreservação contra a vergonha e a culpa. Melanie Klein destacou que, ao negar a verdade, preserva-se o ego, mas compromete-se o vínculo.


Dimensão Filosófica


O filósofo Søren Kierkegaard ensinava que a angústia é o preço da verdade:

"A verdade é a fonte do desespero, mas somente a verdade liberta."


Jean-Paul Sartre cunhou o conceito de má-fé (bad faith), um estado em que o sujeito mente para si mesmo para proteger a imagem que quer sustentar.

O Perdão Proxy pode ser compreendido como uma forma relacional de má-fé — uma pseudo-confissão que perpetua o autoengano coletivo.


Exemplo Ilustrativo


Caso real ilustrativo:

Imagine um pai que, por decisões financeiras imprudentes, destruiu o equilíbrio econômico da família.


No momento de pedir perdão, ele declara:

"Perdoem-me por eu ter sido frio e distante..."

Porém, ele sempre foi presente e afetuoso.


Esse deslocamento não apenas não resolve a dor, como cria uma nova camada de confusão e até culpa em quem escuta.


Fundamentação Bíblica


A Bíblia orienta que a confissão genuína é indispensável para a cura:


"Quem encobre as suas transgressões jamais prosperará, mas o que as confessa e deixa alcançará misericórdia."

📖 Provérbios 28:13


No evangelho de João, Jesus afirma:

"Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará." (João 8:32)


E em Mateus 5:23-24, Ele ensina que é necessário reconciliar-se com sinceridade antes de qualquer expressão religiosa.


 Impactos Emocionais e Relacionais


O Perdão Proxy pode produzir:

🔹 Bloqueio emocional na vítima e no agressor;

🔹 Sentimento de frustração e falta de clareza;

🔹 Incapacidade de restabelecer a confiança;

🔹 Manutenção de um ciclo de negação coletiva.


No processo terapêutico e pastoral, percebi que só quando a pessoa tem coragem de dar nome ao erro real é que a reconciliação pode acontecer de maneira íntegra.


Conclusão e Convite à Reflexão


Após tantos anos caminhando com pessoas, pude perceber que o Perdão Proxy é uma tentativa desesperada de preservar a própria imagem — mas que custa muito caro emocionalmente.


Seja no consultório, no gabinete, ou na intimidade do lar, precisamos cultivar a coragem de dizer a verdade e confessar o que realmente aconteceu.


A confissão genuína é o primeiro passo para a restauração e para o perdão que transforma.


Se este tema toca sua história, te convido a refletir e compartilhar. Em breve, publicarei meu e-book sobre o assunto, com orientações práticas para romper esse ciclo.



Referências Conceituais


– Freud, S. (1926). O Ego e os Mecanismos de Defesa.

– Anna Freud (1936). O Ego e os Mecanismos de Defesa.

– Melanie Klein (1946). Inveja e Gratidão.

– Kierkegaard, S. (1849). A Doença Mortal.

– Sartre, J.P. (1943). O Ser e o Nada.

– Bíblia Sagrada, Provérbios 28:13; João 8:32; Mateus 5:23-24.



Ana Paula Carvalho

Estrategista Emocional | Pastora | Pós-graduada em Psicanálise Clínica

📍 Barueri/SP

💌 mentoriafemea@gmail.com


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